Por Inês Ramalhete
O romance Os Maias, escrito por Eça de Queiroz no segundo quartel do século XIX, está novamente em cena no lendário Trindade, depois de se ter estreado neste mesmo teatro em 1888. Aparentemente uma peça teatral banal relatando este episódio da vida romântica, tal não foi o meu espanto quando vi algo de novo incorporado numa peça à priori tradicional, com cenários, vestuário e diálogos de época.

Imagem retirada do site http://teatrotrindade.inatel.pt/osmaias.html
A peça começa por apresentar Carlos da Maia e o inseparável João da Ega a assistirem no próprio Trindade em 1875 uma peça sobre amores e desamores numa casa denominada de Ramalhete – logo aí temos os Maias a ver os Maias no grande teatro da alta sociedade. A história é então contada por João da Ega, o qual encarna ou reflecte Eça de Queiroz como narrador, como crítico, como sátiro, como conhecer daquele destino dramático do jovem casal. Estas passagens em que o narrador relata o que acontece, fazendo ele parte dessa mesma cena, e a própria acção da cena são brilhantes e conseguidas através dos efeitos de luz e das movimentações dos próprios actores (a equipa de produção fez aqui um trabalho excelente e quase cinematográfico!).
Outra questão que achei de louvar e bastante bonita é a relação estabelecida entre esta peça e a música. Um dos actores é um pianista que vai tocando num piano colocado no palco, consoante o momento. Numa destas cenas acontece um momento interessante quando Carlos tem uma conversa com a suposta personagem do pianista e este lhe responde através da música, expressando da forma mais simples e clara as suas respostas – é de louvar como a música consegue comunicar ideias, transformando-se realmente numa linguagem perceptível a todos!
A contemporaneidade de Eça
Mais importante que estes pormenores técnicos, estéticos e narrativos, está o facto de ao longo da peça serem enunciados problemas, críticas e caricaturas a uma sociedade que, apesar de a história acontecer em 1875, são todos eles adequados à actualidade. Fala-se de uma crise económica eminente, de um Portugal à beira do colapso económico, onde os empréstimos bancários e as cobranças de dívidas são tão importantes quanto os impostos. Alencar, uma das personagens caracterizadas pela sua revolta perante uma sociedade adormecida e sem princípios, chega a criticar a juventude e a sua falta de valores e, inclusivamente, a sua apatia e conformidade em relação à sociedade, alegando inclusivamente que no seu tempo é que se lutava pelos objectivos, vivia-se com garra, com ânimo, com paixão. Outra questão importante é a luta das mulheres pela igualdade, patente aqui na personagem de Maria Eduarda ao falar das quão as mulheres são martirizadas e culpabilizadas por actos do seu Passado quando nos Homens essa questão é secundária.
Como pude ver nestes três pequenos exemplos, várias questões sociais e preconceitos estão ainda em aberto na nossa sociedade dita moderna. Eça de Queiroz sabia do que escrevia, só não sabia que 120 anos depois, as suas preocupações, críticas e receios se mantinham como se Portugal tivesse parado no século XIX.
Link de interesse:
http://teatrotrindade.inatel.pt/
1 comentário:
As obras de Eçã de Queirós são realmente contemporâneas nos seus valores porque fazem-nos aperceber que o Homem estará sempre envolvido pelos seus sentimentos mais primários. A tecnologia molda a sociedade e seus costumes mas o Homem continua sobre a égide dos seus instintos. O que quero dizer com isto é que a cultura portuguesa, a História de Portugal, pesa muito sobre nós, sobre a nossa vida e sobre de quem somos.
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